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Venda do Banco Digimais

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Venda do Banco Digimais

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Análise Estratégica da Venda do Banco Digimais: A Confluência de Interesses, Desafios Regulatórios e a Nova Dinâmica do Mercado Financeiro e de Mídia no Brasil

1. Resumo Executivo

Este relatório apresenta uma análise estratégica aprofundada das negociações de venda do Banco Digimais, instituição financeira controlada pela Rádio e Televisão Record, de propriedade do bispo Edir Macedo. A transação, catalisada pela pressão contínua do Banco Central (BC), revela a complexa intersecção de interesses financeiros, desafios regulatórios e implicações de governança e reputação. A análise se concentra em dois potenciais compradores—o Nubank, com sua ambição de obter uma licença de banco múltiplo, e Tércio Borlenghi Jr., da Ambipar, um entrante com histórico controverso—e contextualiza o cenário à luz do fracasso de uma venda anterior para o Bluebank e da polêmica aquisição do Banco Master pelo BRB. A seguir, delineamos as principais conclusões e os insights estratégicos.

1.1. Conclusões-Chave

A pressão do Banco Central sobre o Digimais é um reflexo de uma vigilância regulatória de longa data, motivada por preocupações com a governança, a opacidade da estrutura de capital e a dependência financeira de um conglomerado religioso-midiático . A venda, portanto, é um movimento forçado e não estratégico por parte dos proprietários. A entrada do Nubank, considerado o candidato preferido do regulador, é um movimento estratégico para agilizar a obtenção de uma licença de banco múltiplo e gerar créditos tributários. A contratação de Roberto Campos Neto, ex-presidente do BC, para um papel de liderança em políticas públicas no Nubank sinaliza um compromisso sério em navegar o ambiente regulatório. No entanto, o risco reputacional de associar a marca “roxinha” ao Grupo Record é um fator crítico que a fintech precisa ponderar .

A incursão de Tércio Borlenghi Jr. e da Ambipar no processo, marcada por negações públicas e por um histórico de investigações da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), introduz um elemento de risco e opacidade que pode não ser tolerado pelo Banco Central. A proposta de usar ações da Ambipar como garantia de liquidez é vista com ceticismo pelo mercado devido à natureza volátil e controversa dos papéis da empresa . O caso da aquisição do Banco Master pelo BRB serve como um estudo de caso fundamental, expondo a relutância e as dificuldades do mercado em absorver bancos com passivos complexos, além de ilustrar o debate sobre o uso de fundos públicos para “resgate”.  

1.2. Principais Insights Analíticos

A atuação do Banco Central transcende o papel tradicional de guardião da solvência, posicionando-se como um ator estratégico que busca garantir a reputação e a integridade do sistema financeiro. O BC tem buscado separar explicitamente o capital bancário de grupos religiosos, uma postura revelada pela resistência histórica à aliança entre o antigo Banco Renner e a varejista de mesmo nome, por exemplo .

A contratação de ex-reguladores por grandes empresas, como Roberto Campos Neto pelo Nubank, não deve ser interpretada apenas como um movimento de compliance ou lobby, mas como uma estratégia de sinalização ao mercado e aos pares regulatórios, demonstrando a seriedade e o alinhamento de uma empresa em uma operação complexa. Por fim, o mercado financeiro brasileiro se encontra em um momento de consolidação impulsionado por uma nova dinâmica regulatória. O BC utiliza sua influência para direcionar ativos problemáticos para compradores que ele considera “adequados” e bem-capitalizados, como o Nubank, em detrimento de outros com histórico de controvérsias, como o Banco Master e seus associados .


2. O Contexto do Digimais: Finanças, Fragilidades e a Pressão Regulatória

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A análise das negociações de venda do Banco Digimais, uma instituição financeira que já foi o Banco Renner e agora é controlada pela holding da Record TV e do bispo Edir Macedo, exige um entendimento profundo de sua situação atual. O banco enfrenta um cenário financeiro com indicadores mistos e, mais crucialmente, uma intensa e prolongada pressão regulatória que o forçou a buscar um comprador.

2.1. Um Balanço sob Escrutínio: Indicadores Financeiros e Estratégia de Nicho

Os dados financeiros de 2024 do Banco Digimais revelam uma instituição com desempenho desafiador, mas não catastrófico. O banco registrou um prejuízo de R$ 45 milhões no segundo semestre do ano passado. No entanto, o resultado anual consolidado foi de um lucro de R$ 53 milhões . Essa recuperação foi, em parte, resultado de um aporte de capital de R$ 350 milhões feito pelos acionistas entre 2023 e 2024, que elevou o índice de Basileia de nível 1 do banco de 8,77% para 10,67% .

A carteira de crédito do banco, no entanto, permanece um ponto de atenção. O financiamento de veículos usados representa mais de 70% do negócio, um nicho de alto risco e inadimplência. A qualidade dos ativos é evidenciada pelo alto volume de renegociações, totalizando R$ 769 milhões em 2023 e R$ 497 milhões em 2024 .

A captação do banco também demonstra uma dependência arriscada: cerca de 95% do total é proveniente de depósitos a prazo, como CDBs e letras financeiras, em plataformas de varejo, somando R$ 8,01 bilhões ao final de 2024. Deste montante, R$ 2,6 bilhões tinham vencimento em até 12 meses . Em janeiro de 2025, o empresário Maurício Quadrado, ex-sócio do Banco Master, tentou adquirir o Digimais através de seu grupo Blue bank. O acordo incluía um aporte de R$ 800 milhões, o que, se concretizado, elevaria o patrimônio líquido do Digimais para R$ 2 bilhões. A negociação, porém, foi encerrada por “mútua desistência” das partes na mesma semana em que a venda do Banco Master para o BRB foi anunciada .  

2.2. A Persistente Pressão do Banco Central

A urgência para a venda do Digimais não se origina de uma falência iminente, mas sim de um rigoroso e duradouro escrutínio do Banco Central. O regulador tem acompanhado de perto a instituição há anos, demonstrando uma “resistência interna” à mistura de finanças e grupos religiosos . Essa postura institucional, que remonta à época em que a aliança entre o antigo Banco Renner e a varejista de mesmo nome se arrastou por anos, sublinha uma preocupação fundamental do BC com a governança e a transparência.

O BC solicitou ao banco ajustes na operação, como a revisão de marcações de ativos, incluindo precatórios, e a precificação de sua carteira de financiamento de veículos .

Embora uma fonte próxima a Edir Macedo afirme que a questão não era estritamente financeira e destaque que o bispo assinou um compromisso de prover capital adicional se necessário, a percepção do regulador prevaleceu. Uma fonte próxima ao BC revela que um aporte de “acima de bilhão de reais” seria o ideal, principalmente porque parte significativa da liquidez atual do banco (o caixa de R$ 2,88 bilhões) seria, na verdade, um depósito da TV Record . A preocupação do regulador é que, em caso de venda, esse depósito seria retirado, comprometendo a estrutura de capital e a liquidez da instituição.

Em abril de 2024, o Digimais submeteu um plano estratégico de cinco anos ao BC para diversificar suas receitas e reduzir a inadimplência . Em um esforço para melhorar a governança, o banco chegou a contratar três conselheiros independentes — Daniella Marques (ex-presidente da Caixa), Abelardo Melo Sobrinho (ex-BC) e Cláudio Pracownik (ex-BTG) —, mas todos deixaram o conselho menos de um ano depois, após o acordo com o Bluebank ser firmado e posteriormente cancelado.  

2.3. A Análise do Contexto: Além dos Números

A fragilidade do Banco Digimais, observada pela lente analítica, transcende a mera análise de seus indicadores financeiros. Embora a instituição tenha reportado lucro consolidado em 2024 e o balanço não indique uma falência imediata, a exigência de venda pelo Banco Central aponta para problemas estruturais mais profundos.

A relutância histórica do BC em permitir a fusão de capital bancário e grupos religiosos, e a revelação de que uma parte crucial da liquidez do banco é um depósito volátil da TV Record, demonstram que a preocupação principal do regulador reside na governança, na transparência e no risco de interdependência de um conglomerado religioso-midiático . O BC busca evitar que o banco seja visto como um mero braço financeiro de um império midiático e religioso, cuja histórica e controversa interdependência financeira já foi tema de investigação, como o uso de fundos da Igreja Universal para a compra da Record TV.  

O fracasso da venda para o Bluebank, de Maurício Quadrado, é um indicador crucial de que os problemas do Digimais são mais complexos do que uma simples injeção de capital poderia resolver. A rápida desistência da transação, a saída dos conselheiros independentes e o cenário de intensa pressão regulatória sugerem que os problemas de governança e a complexidade dos ativos e passivos do banco não puderam ser totalmente sanados durante o processo de auditoria. Isso aumenta a dificuldade e o ceticismo em relação a qualquer nova negociação, sinalizando ao mercado que a instituição exige uma solução de capital e de governança substancialmente superior à anteriormente proposta.

A seguir, uma tabela com os indicadores financeiros e de governança do banco, que ajudam a ilustrar o cenário que levou à urgência da venda.

Indicadores Financeiros e de Governança do Banco DigimaisDados de Referência
Lucro Consolidado (2024)R$ 53 milhões
Prejuízo (2º Semestre 2024)R$ 45 milhões
Aporte de Acionistas (2023-2024)R$ 350 milhões
Índice de Basileia Nível 1 (Após Aporte)10,67%
Volume de Créditos Renegociados (2023)R$ 769 milhões
Volume de Créditos Renegociados (2024)R$ 497 milhões
Caixa e Equivalentes (Final de 2024)R$ 2,88 bilhões
Patrimônio de Referência (Final de 2024)R$ 932 milhões
Captação de Depósitos a Prazo95% do total, ou R$ 8,01 bilhões
Vencimento de Depósitos (até 12 meses)R$ 2,6 bilhões
Conselheiros IndependentesTrês, que saíram em menos de um ano

3. Os Candidatos à Aquisição: Estratégias e Riscos Ponderados

As negociações atuais do Banco Digimais se desenrolam em torno de dois potenciais compradores com perfis e motivações dramaticamente diferentes: o Nubank e Tércio Borlenghi Jr., da Ambipar. A análise de suas estratégias é fundamental para entender o panorama do negócio e a postura do regulador.

3.1. Nubank: A Lógica da Consolidação e a Ponderação Reputacional

 Venda do Banco Digimais
Nubank tem avaliado aquisição para ter licença de banco múltiplo — Foto: Divulgação
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A entrada do Nubank nas conversas é um movimento puramente estratégico, com o endosso explícito do Banco Central. Atualmente enquadrada como fintech com licença de empresa de pagamentos, a companhia busca uma licença de banco múltiplo para expandir seu portfólio de serviços, que hoje inclui a conta digital, cartões de crédito e seguros, mas não serviços como conta corrente pessoa física ou financiamento de veículos, por exemplo. Uma aquisição seria o caminho mais rápido para obter essa licença, que agilizaria a integração de novos produtos e serviços. Além disso, a compra geraria um valioso “crédito tributário” para a fintech .  

A contratação do ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, como Vice-Chairman e Chefe Global de Políticas Públicas, que participa diretamente da análise da transação, é um ponto central na negociação. Essa contratação é um movimento estratégico para alinhar a empresa com o regulador, com quem Campos Neto tem um relacionamento profundo, demonstrando o compromisso do Nubank em realizar a aquisição de forma transparente e em total conformidade com as exigências regulatórias.  

No entanto, o negócio não está isento de riscos para o Nubank. A principal preocupação da fintech é o “risco reputacional” de uma eventual aquisição . A marca do Nubank foi construída sobre os pilares de inovação, transparência e combate à burocracia do sistema bancário tradicional. Essa imagem de “desafiadora do  

status quo” contrasta fortemente com a percepção pública do Grupo Record/Universal, que enfrenta acusações históricas de opacidade financeira, como o uso de fundos da Igreja Universal para a compra da Record TV , e controvérsias políticas. A associação a um grupo com um histórico tão controverso poderia diluir o valor da marca “roxinha” e afastar uma parte de sua base de clientes, que valoriza a simplicidade e a ética corporativa.  

3.2. Tércio Borlenghi Jr. e a Ambipar: Um Entrante Inusitado

O outro potencial interessado na aquisição do Digimais é Tércio Borlenghi Jr., fundador e controlador da Ambipar. Embora ele negue categoricamente qualquer interesse ou negociação, a apuração jornalística indica que ele teve ao menos duas reuniões sobre o tema com o BC e com o escritório de advocacia que assessora o banco de Edir Macedo . Borlenghi não tem um histórico no setor financeiro, e sua entrada no mercado bancário exigiria um rigoroso processo de aprovação do BC .

O histórico de Borlenghi e seus associados, no entanto, é fonte de controvérsias. A CVM investigou uma suposta atuação coordenada entre ele, Nelson Tanure e o Banco Master para elevar artificialmente o preço das ações da Ambipar, usando os papéis como garantia para financiar a privatização da EMAE. Embora o colegiado da CVM tenha decidido contra o parecer técnico que embasava a acusação , a controvérsia gerou um sinal de alerta no mercado e nos reguladores. A reportagem apurou que, durante as conversas sobre a compra do Digimais, Borlenghi teria discutido a possibilidade de usar parte de suas ações na Ambipar como garantia de reforço de liquidez para o banco .  

3.3. A Análise Comparativa: Preferência e Risco

A contratação de Roberto Campos Neto pelo Nubank é um movimento que transcende a aquisição de talentos de alto nível; é uma comunicação estratégica ao mercado e ao regulador. A presença de um ex-líder do Banco Central na equipe de políticas públicas do Nubank atua como um “selo de aprovação” indireto, mitigando o risco regulatório para a fintech e demonstrando que a empresa está comprometida em realizar a aquisição de forma transparente e alinhada com os padrões exigidos pelo BC. Isso é particularmente importante considerando o histórico sensível do Banco Digimais e as preocupações do regulador.

Em contrapartida, a proposta de Tércio Borlenghi Jr. e o seu histórico de atuação no mercado, ainda que o parecer técnico da CVM tenha sido derrubado, o coloca em uma posição de desvantagem. A negação pública de sua participação nas negociações, em contradição com o que foi apurado pela reportagem , adiciona um elemento de opacidade.

A proposta de usar as ações da Ambipar como garantia é o ponto mais problemático: a volatilidade e as investigações que cercaram os papéis da empresa os tornam uma garantia ilíquida e de alto risco para a estrutura de capital de um banco. A preferência do Banco Central por um comprador como o Nubank, com capitalização sólida e histórico de crescimento digital, em vez de um entrante com histórico controverso e que propõe uma estrutura de garantia inusual, é uma decisão que busca proteger o sistema financeiro de riscos adicionais de governança e mercado.  

A seguinte tabela compara os perfis dos dois potenciais compradores e ilustra por que o Nubank é o candidato preferido do regulador.

Aspectos ChaveNubankTércio Borlenghi Jr. (Ambipar)
Perfil de MercadoFintech/Banco digital bem-capitalizado. Busca licença de banco múltiplo.Empresário sem histórico no setor financeiro. Controlador de corporação de gestão de resíduos.
Motivação para a CompraObter licença de banco múltiplo de forma ágil e gerar crédito tributário.Não declarada publicamente; apuração sugere interesse em diversificação.
Relação com o ReguladorContratou o ex-presidente do BC, Roberto Campos Neto, para liderar política pública e participar das negociações.  Teve reuniões com o BC, mas nega interesse público . Envolvido em investigação da CVM com Nelson Tanure e Banco Master.  
Vantagens OferecidasCapitalização robusta e alinhamento estratégico com o BC.Proposta de usar ações da Ambipar como garantia de liquidez .
Riscos de ReputaçãoAssociação da marca “roxinha” ao Grupo Record/Universal e seu histórico de controvérsias [Query].Histórico de investigações pela CVM sobre atuação coordenada para valorizar ações da Ambipar.  

4. Estudos de Caso e Paralelos de Mercado

Para uma compreensão completa da situação do Banco Digimais, é imperativo contextualizar suas negociações com eventos recentes e de grande relevância no mercado financeiro brasileiro. O caso da aquisição do Banco Master pelo BRB e a estrutura do império religioso-midiático de Edir Macedo são paralelos cruciais.

4.1. A Venda do Banco Master ao BRB: Um Alerta do Mercado

Em março de 2025, o Banco de Brasília (BRB), uma instituição financeira pública, anunciou a compra de 58% do Banco Master por um valor equivalente a 75% do patrimônio líquido do Master, cerca de R$ 2 bilhões. A operação, no entanto, foi altamente controversa e serve como um “caso de estudo” sobre os riscos e a opacidade em aquisições bancárias. A polêmica se intensificou com a revelação de que a transação excluiu R$ 51,2 bilhões em ativos e passivos, incluindo CDBs de alto retorno (que ofereciam até 120% do CDI) e outros ativos de risco, como precatórios e créditos sem garantias, que foram classificados como bad bank.

A operação gerou intensa repercussão política e regulatória. Parlamentares do Distrito Federal e o Ministério Público do DF (MPDFT) criticaram a compra, alegando que o valor era uma “temeridade” e que a transação se assemelhava a um “socorro estatal” com dinheiro público.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também investigou a gestão do Banco Master, identificando indícios de fraude, como um repasse de R$ 361 milhões a uma clínica com receita anual de apenas R$ 54 mil, e questionou a veracidade das demonstrações financeiras. O MPDFT chegou a solicitar a suspensão da compra, alegando que a operação violava o estatuto do BRB e a Lei Orgânica do DF, por não ter sido aprovada pela Assembleia de Acionistas e pela Câmara Legislativa. O BTG Pactual, que supostamente teria avaliado o Master em R$ 1 real, negou a informação publicamente.  

4.2. O Fator Midiático: O Ecossistema de Edir Macedo e sua Relação com o Capital

A situação do Banco Digimais é indissociável da complexa estrutura de seu controlador. A fortuna de Edir Macedo, avaliada em US$ 1,8 bilhão , é o pilar de um império religioso-midiático que inclui a Igreja Universal do Reino de Deus e a Record TV. A interdependência financeira entre a Igreja e a emissora é notória e tem sido alvo de investigações. Entre 2011 e 2015, por exemplo, a Igreja Universal teria recebido R$ 33 bilhões em doações bancárias, com movimentações para o Banco Renner (Digimais), e a compra da Record em 1989 teria sido financiada com fundos da igreja. Essa estrutura de capital levanta sérias questões sobre a origem dos recursos e a governança, que são, precisamente, as preocupações fundamentais do Banco Central em relação ao Digimais. O fato de que a liquidez atual do banco é reforçada por um depósito da TV Record ilustra a interdependência e o risco de concentração de capital que o regulador busca eliminar.  

4.3. Lições e Dinâmicas de Mercado

A controversa aquisição do Banco Master pelo BRB é um alerta fundamental para o mercado. O caso demonstrou o perigo de se utilizar fundos públicos para o resgate de uma instituição privada com passivos de alto risco, criando um precedente de moral hazard e transferindo o risco de empresas que assumiram decisões de gestão arriscadas para o setor público.

A investigação da CVM sobre o Banco Master e a ação do MPDFT destacam a falta de transparência e os riscos jurídicos que acompanham tais operações. O Banco Central, ao observar esse cenário, agora age com maior cautela. Sua pressão para a venda do Digimais a um comprador privado e bem-capitalizado, como o Nubank, é uma lição aprendida do caso BRB-Master. O regulador busca uma solução de mercado que não envolva fundos públicos nem exponha o sistema a riscos de governança ou reputação, preferindo um desfecho mais limpo e seguro.  

A fusão de capital religioso e financeiro no caso do Digimais apresenta um dilema regulatório e reputacional único. O BC sempre se mostrou resistente a essa interconexão, e a dependência financeira do banco em relação à TV Record é um exemplo concreto desse problema .

Para o Nubank, a preocupação com a reputação é central. A marca da fintech, construída sobre a ideia de transparência e empoderamento do cliente , poderia ser prejudicada pela associação com um grupo com um histórico tão controverso. O dilema estratégico para o Nubank é se os benefícios tangíveis da aquisição — como a licença de banco múltiplo e os créditos tributários — justificam o risco de manchar sua marca digital, que é o seu ativo mais valioso.  

A tabela a seguir apresenta uma cronologia dos eventos-chave que conectam as negociações do Digimais, Master e Ambipar, ilustrando a rapidez com que as dinâmicas de mercado estão evoluindo sob o escrutínio do regulador.

DataEventoEnvolvidos
Setembro 2024Maurício Quadrado deixa o Banco Master e vende sua participação acionária.  Maurício Quadrado, Banco Master
Janeiro 2025Maurício Quadrado fecha acordo para comprar o Banco Digimais, com um aporte de R$ 800 milhões.  Maurício Quadrado, Banco Digimais (Grupo Edir Macedo)
Março 2025BRB anuncia a compra de 58% do Banco Master por R$ 2 bilhões.BRB, Banco Master (Daniel Vorcaro)
Março 2025Venda do Digimais para o Bluebank de Maurício Quadrado é mutuamente cancelada [Query].Maurício Quadrado, Banco Digimais
Maio e Julho 2025Tércio Borlenghi Jr. (Ambipar) se reúne com o BC e com o escritório de advocacia do Digimais para discutir a aquisição [Query].Tércio Borlenghi Jr. (Ambipar), Banco Digimais, Banco Central

5. Conclusões e Perspectivas de Mercado

O caso do Banco Digimais é um microcosmo das transformações em curso no mercado financeiro brasileiro. A necessidade de venda da instituição, impulsionada por um rigoroso escrutínio regulatório, revela que a solvência financeira por si só não é suficiente para garantir a estabilidade e a sobrevivência de uma instituição. A governança, a transparência e a qualidade da estrutura de capital são igualmente cruciais, e a falta delas se tornou um risco existencial.

5.1. O Papel Estratégico do Regulador

O Banco Central demonstrou atuar não apenas para evitar o risco sistêmico, mas também para direcionar o setor em direção a uma maior profissionalização e governança. Sua preferência pelo Nubank como comprador é uma decisão pragmática: uma instituição com forte capital, histórico digital e uma equipe que inclui um ex-presidente do BC representa um risco muito menor do que um entrante sem histórico no setor e com histórico de controvérsias na CVM . O BC está ativamente moldando o mercado, utilizando sua influência para garantir que a consolidação ocorra de forma segura e transparente.

5.2. O Futuro da Consolidação

A “reorganização” do mercado bancário brasileiro não se dará apenas por fusões e aquisições, mas por uma “depuração” forçada pelo regulador. A liquidação de ativos problemáticos (como os precatórios e dívidas sem garantia do Banco Master) e a exigência de aportes bilionários e de governança robusta para a aprovação de novas transações (como a do Digimais) são a nova realidade. O mercado se tornará mais difícil para players com estruturas de capital e gestão opacas, especialmente quando a origem do capital e as relações de interdependência são complexas e controversas, como no caso da união de capital financeiro e religioso.

5.3. Cenários e Recomendações

Com base na análise, três cenários principais se desenham para o futuro do Banco Digimais:

  • Cenário 1 (Venda ao Nubank): Este é o cenário mais provável, com a bênção do BC. A aquisição resolve o problema do Digimais e fortalece a posição do Nubank no mercado. O principal risco para a fintech reside na gestão do desafio reputacional, que deve ser mitigado através de uma comunicação estratégica e transparente.
  • Cenário 2 (Venda a Tércio Borlenghi Jr.): Altamente improvável. A negação pública, a ausência de histórico no setor financeiro e a controvérsia recente na CVM tornam essa opção inviável para a aprovação do Banco Central, que busca evitar a transferência de riscos de governança para riscos de mercado.
  • Cenário 3 (Liquidação/Intervenção): Possível se os candidatos atuais não avançarem ou se a transação com o Nubank não for aprovada. O BC pode usar seus mecanismos de intervenção, como a liquidação extrajudicial , para encerrar a operação do banco de forma controlada, protegendo os depositantes e evitando a exposição do sistema financeiro.  

A transação do Digimais serve como um case study fundamental para qualquer investidor ou executivo que busca atuar no Brasil. O sucesso de uma aquisição não se baseia apenas em uma boa oferta financeira, mas na capacidade de alinhar-se com a agenda e as preocupações éticas e de governança do regulador. O “capital político” (em forma de relações com o BC) pode ser tão valioso quanto o capital financeiro em um mercado onde a regulação é a força motriz da consolidação. O caso Master-BRB é um aviso sobre o que não fazer, enquanto o interesse do Nubank no Digimais, com o “selo Campos Neto”, é um roteiro para uma aquisição bem-sucedida e estrategicamente inteligente.

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Ango Silva, nascido no brasil em 1978, é um jornalista com uma carreira consolidada, marcada pela profundidade na cobertura de temas políticos e econômicos. Sua trajetória profissional teve início em 1999 na Rádio JB FM, onde atuou até 2010. Ao longo de sua carreira, Ango Silva destacou-se como correspondente internacional, cobrindo eventos de grande relevância,Sua dedicação e excelência foram reconhecidas com o Prêmio Maboque de Jornalismo, concedido duas vezes, e uma menção honrosa no Prêmio Kianda, na categoria de jornalismo econômico. Com uma formação que inclui um curso intensivo de jornalismo na Solidarity School of the Union of German Journalists em Berlim (1994), um estágio profissional na Deutch Welle em Colônia (1990) e cursos de técnicas jornalísticas com o BBC Training Center em Londres,