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Igreja de Silas Malafaia é Autuada por Ausência de Depósitos do FGTS para Mais de 400 Funcionários em Meio a Debate sobre Direitos Trabalhistas em Instituições Religiosas

Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC

Igreja de Silas Malafaia é Autuada por Ausência de Depósitos do FGTS para Mais de 400 Funcionários em Meio a Debate sobre Direitos Trabalhistas em Instituições Religiosas

Rio de Janeiro, RJ – A Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC), uma das mais proeminentes denominações pentecostais do Brasil, liderada pelo influente pastor Silas Malafaia, foi alvo de uma autuação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) por irregularidades trabalhistas que afetam centenas de seus funcionários. A fiscalização, realizada em abril de 2025, revelou a ausência do depósito mensal do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para 423 de seus colaboradores, além de outras infrações, acendendo um intenso debate sobre as obrigações legais e a gestão de recursos humanos em organizações religiosas no país.

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O pastor Silas Malafaia 

A ação do MTE, que culminou na aplicação de multas e notificações à igreja sediada no Rio de Janeiro, trouxe à tona a complexa relação entre as imunidades constitucionais concedidas a templos de qualquer culto e a imperatividade da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para o pessoal administrativo e de apoio que não exerce funções ministeriais.

A Fiscalização do Ministério do Trabalho e as Irregularidades Constatadas

Auditores-fiscais do trabalho identificaram duas irregularidades principais durante a inspeção na Assembleia de Deus Vitória em Cristo. A mais significativa, em termos de número de pessoas afetadas, foi a falha sistemática no recolhimento do FGTS, um direito basilar do trabalhador brasileiro, que serve como uma poupança compulsória e proteção em casos de demissão sem justa causa. Ao todo, 423 funcionários tiveram seus direitos negligenciados.

Além da ausência dos depósitos regulares, o MTE constatou uma segunda infração: 91 trabalhadores que foram demitidos sem justa causa não receberam a multa rescisória de 40% sobre o saldo do FGTS, valor que legalmente lhes era devido. Esta multa tem caráter indenizatório e é uma compensação pela perda involuntária do emprego.

As infrações resultaram na emissão de três autos de infração contra a ADVEC. Os detalhes financeiros exatos da totalidade da dívida de FGTS não foram imediatamente divulgados pelo órgão fiscalizador, mas a escala do número de funcionários envolvidos sugere um montante considerável.

A Resposta de Silas Malafaia: “Atrasei um Mês!”

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SEDE ADVEC.

Conhecido por sua postura franca e por vezes combativa, o pastor Silas Malafaia não se esquivou do assunto. Em declarações públicas e por meio de suas redes sociais, ele admitiu a existência de atrasos no recolhimento do FGTS, mas buscou minimizar a gravidade da situação. “Só porque atrasei um mês, eles vieram atrás de mim. Um mês! Querendo dar multa, coisa e tal. Ai, meu Deus do Céu me ajuda!”, declarou o pastor, sugerindo que a ação fiscalizatória teria sido desproporcional.

Em uma nota mais detalhada, a defesa da igreja e do pastor confirmou que a situação está sendo regularizada. “Nós parcelamos, conforme a lei permite, com algum atraso o FGTS. Está tudo parcelado”, afirmou. A liderança da ADVEC também informou ter quitado uma das multas administrativas, no valor de R$ 66 mil, a qual considerou “legítima”.

No entanto, a igreja contesta um valor mais substancial. “Teve uma Notificação de Débito de R$ 1.576.000,00, que entendemos não ser legítima e está sendo rebatida pelo escritório [de advocacia]”, escreveu Malafaia. A natureza e a origem desta notificação de débito de mais de 1,5 milhão de reais não foram inteiramente esclarecidas, mas a contestação jurídica indica que a resolução final do caso pode se estender.

Fontes jornalísticas que apuraram o caso informaram que, após o pagamento das multas consideradas devidas e o parcelamento do débito principal, os autos de infração foram arquivados.

O FGTS e as Entidades Religiosas: Uma Obrigação Legal Inegociável

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O FGTS e as Entidades Religiosas

O caso da ADVEC lança luz sobre uma questão jurídica fundamental: a obrigação de entidades religiosas, como empregadoras, de cumprir a legislação trabalhista. Embora a Constituição Federal de 1988 garanta imunidade tributária a “templos de qualquer culto” (Art. 150, VI, b), essa prerrogativa não se estende às contribuições trabalhistas e previdenciárias.

Especialistas em direito do trabalho são unânimes em afirmar que o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço não possui natureza de imposto, mas sim de uma contribuição social devida pelo empregador em nome do empregado. Portanto, a imunidade tributária não isenta as igrejas de recolherem o FGTS de seus funcionários contratados sob o regime da CLT.

Essa obrigação se aplica a todos os colaboradores que mantêm um vínculo empregatício formal, caracterizado pela pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e, crucialmente, subordinação. Estão incluídos nesta categoria funcionários administrativos, equipes de limpeza, técnicos de som e imagem, seguranças, entre outros que não desempenham atividades estritamente religiosas ou vocacionais.

A Distinção Crucial: Funcionários versus Ministros de Culto

A legislação brasileira e a jurisprudência dos tribunais trabalhistas fazem uma distinção clara entre os funcionários administrativos de uma igreja e seus ministros de culto (pastores, padres, rabinos, etc.). Recentemente, a Lei nº 14.647, de 4 de agosto de 2023, alterou a CLT para formalizar a inexistência de vínculo empregatício entre entidades religiosas e seus líderes espirituais, membros de institutos de vida consagrada ou de ordens religiosas.

A lógica por trás dessa lei é que a relação do ministro de culto com sua igreja é baseada na fé, na vocação e no chamado espiritual, e não em um contrato de trabalho secular. Suas atividades, mesmo que envolvam tarefas administrativas, são consideradas parte de sua missão religiosa.

Contudo, essa legislação não abrange, e nem poderia, os demais trabalhadores que prestam serviços de natureza não religiosa para a instituição. Para estes, a relação é puramente profissional e, portanto, regida pela CLT, com todos os direitos e deveres dela decorrentes, incluindo o registro em carteira, férias, décimo terceiro salário e, claro, os depósitos do FGTS. A autuação na igreja de Silas Malafaia refere-se a este segundo grupo: os “funcionários”.

Contexto Ampliado: Finanças e Obrigações no Império Malafaia

A questão do FGTS não é um fato isolado no histórico financeiro das organizações ligadas a Silas Malafaia. Reportagens anteriores já haviam apontado para a existência de dívidas tributárias significativas da Editora Central Gospel, também de propriedade do pastor, com a União. Em 2021, foi noticiado que a dívida de suas empresas com o governo federal havia triplicado durante o governo de Jair Bolsonaro, um aliado político próximo de Malafaia.

Essas informações, embora não diretamente relacionadas à infração trabalhista do FGTS, compõem um quadro mais amplo da gestão financeira das entidades lideradas pelo pastor e da sua relação com as obrigações fiscais e trabalhistas. Críticos apontam para uma aparente contradição entre a defesa de princípios morais e a inadimplência com deveres legais que afetam diretamente o bem-estar de trabalhadores e os cofres públicos.

Por outro lado, Malafaia e seus apoiadores frequentemente argumentam que suas organizações são alvo de perseguição política e de uma fiscalização mais rigorosa por parte de órgãos estatais devido às suas posições conservadoras e sua influência política.

As Consequências da Falta de Recolhimento do FGTS

Para os trabalhadores, a ausência dos depósitos do FGTS representa uma grave perda de direitos e segurança financeira. O Fundo é essencial não apenas como uma reserva para o futuro, mas também como condição para o acesso a outras políticas públicas, como o financiamento da casa própria pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH). Em caso de demissão, o saldo do FGTS e a multa de 40% são, muitas vezes, a principal fonte de sustento do trabalhador e de sua família durante o período de transição para um novo emprego.

Para o empregador, neste caso a igreja, as consequências vão além das multas aplicadas pelo MTE. A instituição fica sujeita a ações trabalhistas individuais ou coletivas por parte dos funcionários lesados, que podem buscar na Justiça do Trabalho o pagamento dos valores devidos com juros e correção monetária. Além disso, a inadimplência com o FGTS gera um passivo que pode comprometer a saúde financeira da organização e, não menos importante, afeta sua reputação como empregadora e como instituição.

Um Chamado à Transparência e à Responsabilidade na Gestão Eclesiástica

O caso da Assembleia de Deus Vitória em Cristo serve como um importante lembrete de que as instituições religiosas, apesar de seu papel espiritual e social, operam dentro de um arcabouço legal que deve ser respeitado. A gestão de uma igreja de grande porte envolve responsabilidades que espelham as de uma grande empresa, incluindo a administração de pessoal, o cumprimento de obrigações fiscais e a garantia dos direitos trabalhistas.

A transparência na gestão dos dízimos e ofertas dos fiéis é um tema cada vez mais cobrado pela sociedade e pelos próprios membros das congregações. A notícia de que recursos que deveriam garantir o futuro de centenas de famílias de trabalhadores não foram devidamente alocados levanta questionamentos sobre prioridades administrativas e a governança interna da instituição.

Enquanto a defesa da ADVEC trabalha para regularizar a situação e contestar os valores que considera indevidos, o episódio deixa uma marca indelével no debate público. Ele reforça a necessidade de uma fiscalização atuante por parte dos órgãos competentes e sublinha a mensagem de que nenhuma entidade, por mais nobre que seja sua missão declarada, está acima da lei que protege os direitos fundamentais de seus trabalhadores.

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Ango Silva, nascido no brasil em 1978, é um jornalista com uma carreira consolidada, marcada pela profundidade na cobertura de temas políticos e econômicos. Sua trajetória profissional teve início em 1999 na Rádio JB FM, onde atuou até 2010. Ao longo de sua carreira, Ango Silva destacou-se como correspondente internacional, cobrindo eventos de grande relevância,Sua dedicação e excelência foram reconhecidas com o Prêmio Maboque de Jornalismo, concedido duas vezes, e uma menção honrosa no Prêmio Kianda, na categoria de jornalismo econômico. Com uma formação que inclui um curso intensivo de jornalismo na Solidarity School of the Union of German Journalists em Berlim (1994), um estágio profissional na Deutch Welle em Colônia (1990) e cursos de técnicas jornalísticas com o BBC Training Center em Londres,