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Guerra de Narrativas no Congresso: A Revanche Bolsonarista e o Plano para “Emparedar” o PT com a Pauta da Segurança

bancada da bala

Guerra de Narrativas no Congresso: A Revanche Bolsonarista e o Plano para “Emparedar” o PT com a Pauta da Segurança

Derrotada na “PEC da Blindagem”, a oposição articula um contra-ataque calculado: um projeto de lei de tolerância zero contra as facções criminosas PCC e CV. A estratégia, segundo lideranças, é forçar o Partido dos Trabalhadores a um dilema existencial: aprovar a medida e validar a agenda de seu maior adversário, ou rejeitá-la e arcar com o pesado ônus de ser rotulado, mais uma vez, como “defensor de bandido”.

Uma manobra que transforma a segurança pública no mais novo e explosivo tabuleiro da polarização brasileira.

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operação da policia federal

Brasília, 28 de setembro de 2025 – Nos corredores de mármore e nos grupos de mensagens que definem os rumos do poder em Brasília, a poeira da última batalha legislativa mal assentou, mas as tropas para a próxima já estão sendo mobilizadas. Ferida pela vitória do governo na articulação que desidratou a chamada “PEC da Blindagem” – uma proposta que visava proteger parlamentares de decisões judiciais –, a oposição bolsonarista prepara o que descreve como um contra-ataque cirúrgico e de alto impacto midiático. A arma escolhida não é uma emenda constitucional complexa, mas sim uma bandeira simples, poderosa e de fácil apelo popular: o endurecimento radical contra as maiores facções criminosas do país, o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV).

A estratégia, confidenciada por lideranças bolsonaristas à reportagem, é mais política do que legislativa. O objetivo principal não é necessariamente aprovar um projeto, mas sim “emparedar” o Partido dos Trabalhadores (PT) e suas bancadas aliadas. O termo, carregado de uma conotação de cerco sem escapatória, resume a armadilha que está sendo montada. A oposição planeja apresentar um pacote de medidas draconianas, vendidas à opinião pública como a solução definitiva para o crime organizado, forçando o PT a se posicionar em um campo minado.

Se o partido do presidente votar contra, a máquina de propaganda da direita terá o material que sempre sonhou: a imagem do PT se opondo a uma lei que combate diretamente o PCC e o CV. O carimbo de “amigo de facção”, “defensor de bandidos” ou “frouxo com a criminalidade” será martelado incansavelmente nas redes sociais, nos programas policiais e nos discursos em plenário. Por outro lado, se o PT votar a favor, estará não apenas concedendo uma vitória simbólica a seus maiores adversários, mas também validando a narrativa de que a solução para a segurança pública passa exclusivamente pela força e pelo encarceramento em massa – uma tese que historicamente contradiz as bandeiras de direitos humanos e as políticas de foco social defendidas pela esquerda.

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operação da policia federal

“Eles venceram uma batalha na PEC, que era de interesse da classe política. Agora vamos levar a guerra para o interesse do cidadão comum, que não aguenta mais viver com medo. Queremos ver o PT explicar para a população por que votaria contra um projeto que declara guerra ao PCC”, afirmou um influente deputado do PL, sob condição de anonimato para não antecipar os detalhes da proposta. A fala encapsula a essência da manobra: transformar uma complexa questão de segurança pública em um plebiscito moral sobre o governo, no qual qualquer resposta que não seja um “sim” incondicional será retratada como uma traição ao povo brasileiro.

A Anatomia de uma Armadilha Política

A tática de “emparedar” adversários não é nova na política, mas a versão que a oposição bolsonarista pretende aplicar agora é um exemplo sofisticado de guerra de narrativas. Ela se baseia em três pilares fundamentais: a escolha de um tema de alta sensibilidade popular, a formulação de uma proposta de solução simples para um problema complexo e a exploração da fratura ideológica do adversário.

1. O Tema: Segurança Pública como Calcanhar de Aquiles: A segurança pública é, há décadas, um dos temas de maior preocupação do brasileiro e, ao mesmo tempo, um dos calcanhares de Aquiles da esquerda. Enquanto a direita tradicionalmente capitaliza sobre o discurso de “lei e ordem”, a esquerda frequentemente se vê em dificuldades para comunicar sua visão, que envolve o combate às causas estruturais da violência, como a desigualdade social, a falta de acesso à educação e a necessidade de reforma policial. Essa abordagem, embora academicamente robusta, é de difícil tradução para o eleitorado médio, que anseia por respostas imediatas à violência que o afeta no dia a dia. Ao focar no PCC e no CV, a oposição mira no coração do medo popular, usando os nomes das facções como gatilhos para uma resposta emocional e pouco racional.

2. A Proposta: A Miragem da Solução Simples: O projeto de lei, ainda em fase de elaboração, deve ser um compilado de medidas de apelo máximo. Especula-se que o texto incluirá a tipificação das facções como organizações terroristas, o que permitiria um tratamento jurídico e operacional muito mais duro; o fim de qualquer tipo de “saidinha” ou progressão de pena para membros condenados; o isolamento total de lideranças em presídios de segurança máxima, com restrição de contato até mesmo com advogados; e a concessão de maiores garantias e excludentes de ilicitude para policiais em operações contra o crime organizado. Cada um desses pontos, isoladamente, já é polêmico, mas, juntos, formam um pacote que, para o cidadão assustado, soa como a tão sonhada “mão de ferro” do Estado.

3. A Exploração da Fratura: O Dilema Petista: A oposição sabe que o PT não é um bloco monolítico. Dentro do partido e de sua base de apoio coexistem diferentes visões sobre segurança pública. Há uma ala mais pragmática, que entende a necessidade de gestos na área, e uma ala mais programática, ligada aos movimentos sociais e de direitos humanos, que rechaça veementemente o que considera ser “populismo penal”. A proposta bolsonarista é projetada para explodir essa tensão interna. Qualquer que seja a decisão da liderança do partido, ela gerará insatisfação. Se negociar com a oposição, será acusada de traição pela base. Se resistir, será acusada de omissão pela sociedade.

A derrota na “PEC da Blindagem” serviu como o catalisador perfeito para essa estratégia. Naquela ocasião, o governo conseguiu articular com o Centrão e até com dissidentes da oposição para esvaziar a proposta, que era uma bandeira cara ao bolsonarismo. A vitória petista foi celebrada como uma demonstração de habilidade política, mas deixou um rastro de ressentimento e um desejo de vingança. O projeto contra as facções é a resposta direta a essa derrota, uma forma de mudar o eixo do debate de um tema corporativo (a proteção de políticos) para um tema popular (a proteção do cidadão).

O Campo de Batalha Histórico: Direitos Humanos vs. “Bancada da Bala”

A manobra atual é o mais novo capítulo de uma longa e sangrenta disputa pela hegemonia da narrativa sobre segurança no Brasil. De um lado, está o campo progressista, que argumenta que o modelo puramente repressivo e de encarceramento em massa faliu. Para este setor, o superlotado e desumano sistema carcerário brasileiro funciona como um “escritório do crime” e uma “universidade para novos soldados” das facções. A solução, defendem, passa por uma reforma profunda, com investimentos em inteligência para asfixiar as finanças das organizações, políticas de prevenção focadas na juventude em áreas vulneráveis e um controle mais rigoroso sobre a violência policial, que frequentemente vitimiza inocentes e aliena comunidades inteiras.

Do outro lado, está o campo conservador, personificado na chamada “Bancada da Bala”, que vê essa abordagem como uma “inversão de valores” e uma “defesa de criminosos”. Para eles, a única linguagem que o crime organizado entende é a da força. Defendem o armamento da população, o endurecimento penal, a redução da maioridade penal e uma polícia com liberdade total para agir. Essa visão ganhou uma força extraordinária com a ascensão do bolsonarismo, que soube como ninguém explorar o sentimento de medo e a desconfiança da população em relação às instituições para promover sua agenda.

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O projeto contra o PCC e o CV é a materialização perfeita dessa segunda visão. Ele ignora deliberadamente a complexidade do fenômeno das facções, que hoje são empresas transnacionais do crime, com tentáculos na política, na economia formal e em comunidades inteiras onde o Estado se ausenta. Ao propor soluções que se concentram apenas na ponta – o criminoso já condenado –, o projeto cria a ilusão de ação, enquanto desvia o foco das questões mais difíceis, como a corrupção endêmica nas forças de segurança e no sistema político, que permite a prosperidade desses grupos.

As Respostas Possíveis do Governo e os Riscos Envolvidos

Encurralado, o Palácio do Planalto e a liderança do PT no Congresso precisarão de uma estratégia sofisticada para desmontar a armadilha. Ignorar a proposta é impossível; o vácuo seria imediatamente preenchido pela narrativa da oposição. A negação frontal, como já mencionado, é politicamente custosa. Restam alguns caminhos, todos com seus próprios riscos:

1. A Desqualificação da Proposta: A primeira linha de defesa será atacar a proposta em seu mérito técnico e jurídico. Juristas alinhados ao governo provavelmente argumentarão que partes do projeto são inconstitucionais, que violam tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário e que, na prática, são ineficazes. Eles poderão citar exemplos de outros países onde políticas de “guerra às drogas” e encarceramento em massa não apenas falharam em reduzir a criminalidade, mas também fortaleceram as organizações criminosas e aumentaram a violência. O risco dessa abordagem é parecer excessivamente técnica e distante da realidade da população.

2. A Apresentação de um Contraponto (a “Vacina”): Uma estratégia mais proativa seria o governo se antecipar e apresentar seu próprio pacote de segurança pública, um contraponto ao projeto bolsonarista. Este pacote governista poderia focar em aspectos que a oposição geralmente ignora: o combate à lavagem de dinheiro, o rastreamento de armas, o fortalecimento da Polícia Federal e da inteligência financeira, e a criação de programas sociais robustos em territórios dominados pelo crime. Ao fazer isso, o PT tentaria mudar os termos do debate, saindo da defensiva e mostrando que também tem um plano, que considera mais inteligente e eficaz, para lidar com o problema.

3. A Negociação Seletiva: Um terceiro caminho, mais arriscado, seria tentar negociar o projeto, aceitando alguns pontos de endurecimento penal em troca da retirada de outros considerados mais radicais. Isso poderia ser visto como um gesto de pragmatismo e de diálogo com a oposição, mas também correria o risco de ser interpretado como uma capitulação ideológica pela base petista, além de, no fim, ajudar a aprovar uma lei que contraria os princípios do partido.

Para Além do Jogo Político: O Impacto na Vida Real

Enquanto os políticos em Brasília afiam suas espadas para a batalha de narrativas, o resultado dessa disputa terá consequências concretas e, potencialmente, trágicas para milhões de brasileiros. Um endurecimento radical da legislação penal, sem uma reforma correspondente do sistema prisional e do Judiciário, tende a agravar a crise carcerária, aumentando a superlotação e o poder das facções dentro dos presídios.

Uma “carta branca” para a polícia agir, sem os devidos mecanismos de controle, pode levar a uma explosão da letalidade policial, especialmente nas periferias e favelas, aprofundando o abismo de desconfiança entre as comunidades e as forças de segurança. A classificação de facções como “terroristas” pode abrir um precedente perigoso, que no futuro poderia ser usado para criminalizar movimentos sociais e protestos políticos.

No fim, a manobra bolsonarista expõe a trágica realidade da segurança pública no Brasil: ela é tratada menos como uma política de Estado, que exige planejamento, inteligência e visão de longo prazo, e mais como uma arma de arremesso na arena da polarização. O medo do cidadão, a dor das vítimas da violência e a complexa realidade do crime organizado são convertidos em meros instrumentos para um jogo de poder cujo objetivo final é desgastar o adversário e acumular capital político para a próxima eleição.

A semana que se inicia verá os primeiros movimentos visíveis dessa nova guerra. O texto do projeto deve começar a circular, os discursos se inflamarão e a pressão sobre o governo aumentará. O Brasil assistirá, mais uma vez, a seus líderes debatendo apaixonadamente sobre as consequências do crime, enquanto as causas profundas da violência permanecem, em grande parte, intocadas. O resultado dessa batalha definirá não apenas o futuro político do governo e da oposição, mas também a vida e a morte de muitos brasileiros que vivem longe dos gabinetes com ar-condicionado de Brasília.

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Ango Silva, nascido no brasil em 1978, é um jornalista com uma carreira consolidada, marcada pela profundidade na cobertura de temas políticos e econômicos. Sua trajetória profissional teve início em 1999 na Rádio JB FM, onde atuou até 2010. Ao longo de sua carreira, Ango Silva destacou-se como correspondente internacional, cobrindo eventos de grande relevância,Sua dedicação e excelência foram reconhecidas com o Prêmio Maboque de Jornalismo, concedido duas vezes, e uma menção honrosa no Prêmio Kianda, na categoria de jornalismo econômico. Com uma formação que inclui um curso intensivo de jornalismo na Solidarity School of the Union of German Journalists em Berlim (1994), um estágio profissional na Deutch Welle em Colônia (1990) e cursos de técnicas jornalísticas com o BBC Training Center em Londres,