O Labirinto da Anistia: Entre a Redução de Penas e a Pressão Bolsonarista, Congresso Testa Limites em Semana Decisiva

Nos corredores de Brasília, o relator Paulinho da Força (Solidariedade-SP) se move para destravar o polêmico projeto de anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro. Enquanto aguarda um sinal verde crucial da cúpula do Legislativo, ele se equilibra entre o pragmatismo do Centrão, que acena para uma “dosimetria” das penas, e a intransigência da oposição, que exige um perdão amplo e irrestrito, mirando a salvação política de Jair Bolsonaro.
A semana promete novas e tensas negociações que podem definir não apenas o destino dos condenados, mas também o frágil equilíbrio de poder entre Câmara e Senado.
Brasília, 28 de setembro de 2025 – Uma densa névoa de incerteza e articulação política paira sobre a Praça dos Três Poderes. No centro deste cenário, o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), um veterano das negociações de bastidores, carrega em sua pasta a relatoria de um dos projetos mais explosivos da legislatura atual: a proposta de anistia aos envolvidos nos atos que abalaram a República em 8 de janeiro de 2023. Esta semana, ele retoma sua peregrinação pelas bancadas partidárias, em um esforço calculado para construir um consenso mínimo. Contudo, suas reuniões e a própria viabilidade de seu relatório dependem de um gesto, um aceno, que ainda não veio da cúpula do Congresso Nacional, especialmente do influente presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).
A agenda de Paulinho da Força prevê encontros cruciais na terça-feira (30) com as bancadas do PSD e do PCdoB, legendas de espectros ideológicos distintos, mas essenciais na complexa aritmética parlamentar. Estas conversas se somam às já realizadas na semana passada com representantes do PL, PT, Podemos, PSDB e da federação União Brasil-PP. O objetivo do relator é claro: testar as águas, medir a temperatura e, principalmente, apresentar a sua tese central, que se afasta da anistia ampla defendida pela oposição mais radical e se concentra em uma solução intermediária: a redução de penas, tecnicamente chamada de “dosimetria”.
A proposta de Paulinho, ainda não formalizada em um parecer, busca oferecer uma saída para o que muitos no Centrão consideram a “massa de manobra” do 8 de janeiro – aqueles que participaram dos atos sem, supostamente, estarem envolvidos no planejamento ou financiamento do que as investigações apontam como uma tentativa de golpe de Estado. A ideia é modular as sentenças, aplicando penas mais brandas para crimes de menor gravidade, como dano ao patrimônio, e mantendo a rigidez para os crimes mais graves, como abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Essa abordagem pragmática encontra eco em setores importantes do Congresso, incluindo, surpreendentemente, figuras ligadas ao governo. O próprio líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), já admitiu publicamente a possibilidade de apoiar uma modulação de penas, fazendo uma distinção clara entre os manifestantes comuns e os “mandantes” do plano golpista. Para o Palácio do Planalto, essa poderia ser uma válvula de escape para descomprimir a tensão política, sem, contudo, conceder perdão àqueles que considera serem os arquitetos da tentativa de ruptura institucional.
A Muralha entre Câmara e Senado: O Fator Alcolumbre-Motta
Apesar do aparente caminho do meio que a dosimetria representa, a tramitação do projeto esbarra em um obstáculo monumental: a desconfiança e o clima de hostilidade latente entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. A intenção inicial de Paulinho da Força era ambiciosa. Ele planejava concluir seu parecer e iniciar a articulação para a votação ainda nesta semana. As expectativas, no entanto, foram frustradas pelo cancelamento de uma reunião que seria definidora na última quarta-feira (24).
O encontro reuniria o relator, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Na pauta, estaria a definição de um cronograma conjunto para a votação da proposta nas duas Casas. O cancelamento, justificado por “questões de agenda”, foi interpretado nos bastidores como um sintoma claro da falta de alinhamento e do receio de um novo desgaste institucional.
Hugo Motta, ciente do poder de fogo do Senado para barrar ou engavetar propostas aprovadas pela Câmara, adotou uma postura de cautela extrema. Ele aprendeu a lição com o episódio recente da “PEC da Blindagem”, uma proposta de emenda à Constituição que visava proteger parlamentares de decisões monocráticas do Judiciário e que, após ser aprovada com grande alarde na Câmara, naufragou no Senado por falta de acordo. Para evitar uma repetição do vexame, Motta deixou claro que só pautará o projeto da anistia se houver uma sinalização inequívoca de Alcolumbre de que a matéria terá chances reais de avançar entre os senadores.
“Eu preciso de um pouco mais de tempo para poder entender qual é o sentimento da Casa e decidir sobre pautar ou não o projeto”, declarou Motta em uma entrevista coletiva na quinta-feira (25), em uma frase que traduz a complexidade do momento. Ele sabe que a Câmara já deu um passo importante ao aprovar o regime de urgência para a proposta, o que permite que ela seja votada diretamente no plenário, sem a necessidade de passar por comissões temáticas. Contudo, a aprovação da urgência foi um gesto político; a aprovação do mérito é uma batalha muito mais sangrenta e de consequências imprevisíveis.
Davi Alcolumbre, por sua vez, mantém um silêncio estratégico. Conhecido por sua habilidade de ditar o ritmo do Senado, ele não tem interesse em absorver o ônus político de uma proposta tão controversa sem que haja um amplo acordo, que inclua não apenas a Câmara, mas também o Judiciário e o Executivo. Pautar a anistia no Senado sem um consenso prévio seria abrir uma caixa de Pandora, expondo a Casa a uma pressão popular intensa e a um confronto direto com o Supremo Tribunal Federal (STF), que tem conduzido com mão de ferro os julgamentos dos réus do 8 de janeiro.
A Ofensiva Bolsonarista: “Anistia Ampla, Geral e Irrestrita”
Enquanto Paulinho da Força e a cúpula do Congresso buscam uma solução pragmática, a ala mais radical da oposição, ligada ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), joga todas as suas fichas em uma estratégia de “tudo ou nada”. Para eles, a proposta de dosimetria é inaceitável, uma “anistia pela metade” que não contempla o principal objetivo: tornar Jair Bolsonaro e seus aliados mais próximos novamente elegíveis e livres de processos judiciais.
A linha de frente dessa ofensiva é liderada por figuras como o líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Em uma viagem aos Estados Unidos na última quinta-feira, onde se encontraram com apoiadores e estrategistas da direita internacional, pai e filho reafirmaram sua posição intransigente. Eles rechaçam publicamente a redução de penas e defendem uma anistia nos moldes daquela de 1979, que perdoou crimes políticos cometidos durante a ditadura militar.
Essa pressão se manifesta de forma contundente dentro da bancada do PL, a maior da Câmara. Muitos deputados bolsonaristas veem a anistia como uma bandeira de honra e uma promessa de campanha a ser cumprida com sua base eleitoral. Eles argumentam que os condenados do 8 de janeiro são “patriotas” e “presos políticos”, e que qualquer solução que não seja o perdão completo seria uma traição. Essa narrativa, embora não encontre respaldo majoritário no Congresso, possui uma força simbólica imensa e serve para energizar seus apoiadores e manter a coesão do movimento.
O cálculo político do bolsonarismo é arriscado. Ao rejeitar a proposta de dosimetria, eles podem acabar sem nada. Contudo, para eles, a batalha pela anistia é também uma batalha de narrativa. Manter a defesa de uma anistia ampla permite que continuem a questionar a legitimidade das condenações e a pintar o Judiciário como um perseguidor político. Aceitar uma redução de penas, por outro lado, seria, em sua visão, uma admissão tácita de que os crimes de fato ocorreram.
O Jogo de Múltiplos Tabuleiros
A complexidade da negociação em torno da anistia revela que este não é um jogo que se desenrola em um único tabuleiro. Várias partidas simultâneas estão em andamento, com implicações que vão muito além do destino dos réus do 8 de janeiro.
1. O Tabuleiro da Governabilidade: Para o governo Lula, a questão é delicada. Rejeitar qualquer tipo de negociação pode inflamar ainda mais a oposição e dificultar a aprovação de pautas econômicas prioritárias. Por outro lado, ceder demais pode ser visto como uma fraqueza e uma concessão inaceitável àqueles que atentaram contra a democracia. A posição de Jaques Wagner, favorável à dosimetria, indica que o governo pode estar buscando um meio-termo para pacificar o ambiente político sem cruzar suas linhas vermelhas.
2. O Tabuleiro da Sucessão no Congresso: As negociações também são influenciadas pela corrida para as presidências da Câmara e do Senado em 2025. Hugo Motta e Davi Alcolumbre, ambos peças-chave neste quebra-cabeça, medem cada passo pensando em seus projetos de poder. Pautar um tema tão divisivo pode criar heróis, mas também pode fabricar vilões e alienar apoios cruciais para suas futuras ambições.
3. O Tabuleiro da Relação entre os Poderes: O projeto de anistia é um recado direto ao Supremo Tribunal Federal. Uma eventual aprovação, mesmo que na versão mais branda da dosimetria, seria interpretada como uma intervenção do Legislativo em uma seara que, até agora, tem sido dominada pelo Judiciário. O STF, por sua vez, não assiste a essa movimentação de forma passiva. Ministros têm enviado recados, por meio de declarações e decisões, de que não aceitarão um perdão que considerem uma afronta à Constituição e ao Estado de Direito.
O Que Esperar da Semana?
A semana que se inicia será, portanto, um termômetro crucial. As reuniões de Paulinho da Força com o PSD e o PCdoB ajudarão a mapear com mais precisão o terreno. Se ele conseguir o apoio formal dessas bancadas para a tese da dosimetria, sua posição como relator se fortalecerá. Isso poderia dar a Hugo Motta a confiança necessária para buscar, com mais afinco, o acordo com Davi Alcolumbre.
O silêncio do presidente do Senado, no entanto, continua sendo a variável mais importante da equação. Sem o seu “aceno”, qualquer avanço na Câmara corre o risco de ser um mero teatro político, um movimento destinado a morrer na praia da outra Casa legislativa.
@MichelTemer
@AecioNeves
@HugoMottaPB
@davialcolumbre
O Brasil assiste, mais uma vez, a um capítulo tenso de sua história política recente. A anistia, uma palavra que carrega o peso de reconciliações e de esquecimentos, está no centro de uma disputa que envolve poder, ideologia, justiça e o próprio futuro da democracia brasileira. O labirinto está montado, e a saída, se é que existe uma, ainda está longe de ser encontrada. Paulinho da Força continuará sua caminhada pelos corredores do poder, buscando um fio de Ariadne que o guie para fora deste impasse, mas ciente de que, neste jogo, cada passo em falso pode levar a um beco sem saída.
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